segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A clarificação do sistema de recursos

O novo art.140º do CPTA veio especificar que os recursos no processo administrativo são ordinários ou extraordinários, sendo que os recursos de apelação para os Tribunais Centrais Administrativos e os recursos de revista para o Supremo Tribunal Administrativo são ordinários e permitidos nos casos dos arts. 150º e 151º; e o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão são extraordinários, o que resulta da sua inserção sistemática no capítulo III do Título IV.

A característica mais marcante do regime dos recursos tem que ver com a tendência de as decisões que dão provimento a recursos jurisdicionais não se limitarem a eliminar a decisão recorrida mas julgarem do mérito da causa no mesmo acórdão em que a revogam. Esta característica é mais visível no recurso de apelação, sobre matéria de facto ou direito, a que se faz referência no art.149º, que é interposto das decisões de primeira instância proferidas pelos tribunais administrativos de círculo, sendo este ponto reforçado na revisão de 2015, pela redacção e localização sistemática do novo art.149º, nº4, segundo o prof. Mário Aroso de Almeida. Ainda podemos constatar esta característica no art.150º, nº3, relativamente ao recurso de revista sobre matéria de direito ao se referir que “aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado” e no art.152º, nº6, quanto ao recurso para uniformização de jurisprudência.

Neste caso estamos perante o acesso a duas decisões sobre todos os aspectos da causa, sendo relevante referir que a CRP não garante o direito a interpor recurso relativamente a todos os processos e decisões jurisdicionais, o que atribui ao legislador ampla liberdade de conformação nessa matéria.

O legislador não se encontra obrigado a assegurar que haja lugar à emissão de duas decisões por parte de tribunais hierarquicamente díspares, relativamente a cada questão que seja suscitada num processo, para que a segunda possa ser diferente da primeira. A possibilidade de as partes recorrerem de decisões proferidas por tribunais hierarquicamente inferiores para tribunais superiores, tem como objectivo evitar que os conflitos sejam decididos de forma definitiva pelos tribunais inferiores sem que se verifique uma decisão proferida por um tribunal superior que seja apto para tomá-la e que dê mais garantias, pela sua composição e modo de organização.

Os recursos são interpostos para os tribunais superiores, que matéria administrativa, são essencialmente tribunais de recurso. A instância normal de recurso de apelação das decisões dos tribunais de primeira instância e dos tribunais arbitrais são os Tribunais Centrais Administrativos, art.37º, al. A) e b), do ETAF. Só é possível recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição pelos Tribunais Centrais Administrativos, art.24º, nº1, al. G), ETAF e em certas circunstâncias interpor recursos de revista sobre decisões dos tribunais de primeira instância e recurso das próprias decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos em recurso de apelação, art.24º, nº2, do ETAF e arts.150º e 151º do CPTA. O Supremo conhece ainda dos recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência, que resultem da existência de oposição entre acórdãos, art.152º do CPTA.



Arnaldo Guimarães, nº24847, ST12

O crescimento das providências cautelares e a sua acessoriedade, desde o seu aparecimento até aos dias de hoje


“Um aumento que assume proporções preocupantes no domínio dos processos urgentes e das providências cautelares. Estes processos são hoje já parte significativa do problema que enfrenta a nova justiça administrativa.
Não me interpretem mal, a justiça cautelar era, à altura da reforma, um dos grandes calcanhares de Aquiles da justiça administrativa e a sua reestruturação, uma prioridade, à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva, que desenvolveu toda a reforma.
A concessão de resposta célere às pretensões cautelares tem sido para muitos e muitos portugueses, o verdadeiro cartão de visita da justiça administrativa reformada” -
Conselheiro Manuel Fernando dos Santos Serra, no seu discurso de tomada de posse para um quarto mandato como presidente do STA.
Os Processos Urgentes e os Procedimentos Cautelares cumprem o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva, princípio constitucional, estabelecido no art 20 e sobretudo no art 268/4 CRP, bem como no art 6 CEDH e no art 2 CPTA.Defendem os Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao artigo 17 da Constituição que o princípio da tutela jurisdicional efetiva constitui um direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias.
Os referidos autores vêm, em anotação ao art 20 da constituição dizer acerca do princípio tutela jurisdicional, que:
“Não obstante reconhecer o direito à proteção de direitos e interesses, não é suficiente garantia o direito de acção para se lograr uma tutela efetiva. O princípio da efetividade postula, a existência de tipos de ações ou recursos adequados (cfr. Cod. Proc. Civil, art 2/2), tipos de sentenças apropriadas às pretensões de tutela deduzida em juízo e clareza quanto ao remédio ou ação à disposição do cidadão (cfr. As formas de processo hoje consagradas no Cod.proc. trib. Admni. Arts 35 e ss). A imposição constitucional da tutela jurisdicional impende, em primeiro lugar sobre o legislador...”.
Nestes termos julga-se que o procedimento cautelar se reveste de especial importância para a salvaguarda da tutela efetiva, visto que visa acautelar o efeito útil de uma futura decisão judicial. Existe unicamente como uma consagração do princípio da tutela judicial efetiva, sem que exista a decretação de uma providência cautelar, o particular não retirará qualquer utilidade da sentença.
Qual a diferença relativamente aos processos urgentes? Tem caracter urgente também, mas enquanto os processos urgentes regulam mesmo o litígio, as providências cautelares apenas dão lugar a uma situação transitória. Ao que a doutrina anglo-saxónica chama de equilíbrio ou alívio temporário. Há, nos dias de hoje uma viragem de 180° em relação ao que era a realidade tradicional do contencioso administrativo. A realidade portuguesa foi marcada pela ausência do controlo cautelar. Havia em Portugal uma prática dos tribunais que era limitativa, onde a letra da lei dizia que o juiz deveria comparar o interesse público do particular, e o que acontecia na prática é que os juízes não o faziam. O interesse público existe sempre, essa interpretação da jurisprudência inutilizaria o processo cautelar. Esta falta de meios cautelares era um mero reflexo da falta de meios principais de composição do litígio, lembrando a este propósito que apenas se previa o recurso de anulação do ato administrativo.
A jurisprudência dos tribunais administrativos, impulsionada pela doutrina, e ciente da escassez de meios cautelares à disposição das partes de um processo judicial administrativo, veio permitir, de forma algo titubeante, que as partes recorressem às providências cautelares constantes do CPC. Da mesma forma veio conferir-se efeitos positivos às suspensões do ato administrativo que sendo uma providência puramente conservatória, via-se subitamente a antecipar efeitos da decisão final no processo principal.
O CPTA estabelece que qualquer tipo de pretensão pode ser objeto de pretensões substantivas que os particulares podem acionar, a título principal, perante os tribunais administrativos,  passa pela possibilidade de obter providências cautelares de conteúdo diversificado, em função das necessidades de cada caso.O antigo Art 112/1 CPTA 2002 (que mantém nos dias de hoje no CPTA 2015 a mesma redação) – começa por estabelecer uma cláusula aberta, na lógica da proporcionalidade. O legislador consagrou uma abertura no âmbito das especificações que faz.
Ao abandonar a ideia de suspensão de eficácia de atos administrativos que nos reconduzia à utilização do CPC, o alargamento da tutela cautelar no âmbito do contencioso administrativo, confere ao Juiz amplos poderes nesta matéria, nomeadamente o poder de decretar providências cautelares, em cumulação ou em substituição daquela que tenha sido concretamente requerida quando tal se considere necessário a evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente e seja menos gravoso para os demais interesses em presença.
O prof. Sérvulo correia, Vieira de Andrade, Freitas de Amaral defendem um alargamento das providências cautelares com base na aplicação subsidiária do processo civil, o professor Vasco Pereira da Silva já defendeu outrora esta posição, hoje em dia, não a considera como apta.
Havia uma discussão que opunha a doutrina por um lado e a jurisprudência por outro. Do ponto de vista doutrinário defendia-se a necessidade do alargamento das providências cautelares, acabando por ficar expresso no art 112/2 CPTA 2002 (visto na altura como uma listagem meramente exemplificativa), sendo que não se encontra hoje no CPTA 2015 qualquer tipo de menção a este alargamento, pois parece ter sido removida com a revisão de 2015 e terem-se acrescentado mais três alíneas (alínea f – arresto; g - embargo de obra nova; h - arrolamento) que vão de acordo com as providências cautelares para as quais remetida o anterior art 112/2 CPTA 2002 quando mencionava “Além das providências especificadas no Código de Processo Civil, com as adaptações que se justifiquem”.
Quer-se com isto afirmar que o atual elenco deixou de ser meramente exemplificativo e passou a ser taxativo? Pelo menos é essa a ideia que dá entender, quando o legislador retira a menção ao CPC e acrescenta três alíneas.
No entanto, na minha opinião esta forma que o legislador encontrou, foi apenas uma maneira de mitigar a necessidade de se recorrer ao CPC, pois na existência de uma possível lacuna, penso que teremos que ir procurar a resolução na mesma ao CPC, onde o procedimento cautelar se encontra mais desenvolvido e tipificado e onde anteriormente era necessário ir,
 para preencher determinadas necessidades (nunca esquecer que com as “devidas adaptações que se justifiquem”).
No nº2 do mencionado artigo estão todos os casos que a doutrina tinha consagrado. Havendo uma remissão genérica para o código processo civil – a ideia de que as providências cautelares especificadas podem valer como providências não especificadas no CPC. O legislador resolveu aqui o princípio para especificar que esta abertura era uma abertura aos mecanismos do processo civil, no qual consagrou providências cautelares, em que o tribunal a pedido do particular vai reagir a que as partes adotem comportamento – apreciação negativa.
Há providencias cautelares antecipatórias (serão aquelas que visam que certo direito seja conferido provisoriamente, exemplos: o caso da admissão provisória a um exame ou da atribuição provisória de um determinado subsídio) e conservatórias (serão aquelas que se destinam a salvaguardar o status quo existente à data da interposição do procedimento cautelar, evitando assim que se produza certo efeito considerado nefasto, exemplo: o caso da suspensão da eficácia do ato administrativo).
O prof. Vasco Pereira da Silva diz que se pode usar também a distinção entre negativos e positivos, isto corresponde a um mecanismo de um processo que é completo; que procura garantir a tutela de todos os interesses em jogo e que visa a tutela definitiva no futuro.
O art 112/f) CPTA 2002 (actual alínea i) no CPTA 2015) é a questão mais discutida, tendo em conta a opinião do Prof. Freitas de Amaral que diz que esta é a única que não deveria existir, enquanto o Prof. Vasco Pereira da Silva discorda porque a interpretação que o Prof. Freitas de Amaral faz não cabe na letra nem no espírito da lei. A objeção do Prof. Freitas do Amaral coloca-se na última parte do artigo que na sua interpretação isto faz com que o juiz antecipe comportamentos da administração e adote uma lógica não reativa mas uma lógica do juiz atuar antecipadamente.
Esta norma regula a possibilidade de antecipação que existe em casos de antecipado receio. O que está aqui em causa não é um meio que permite ao particular antecipar os atos da administração, mas o particular só usa o meio quando há receio fundado.
- Uma das críticas do prof. Freitas de Amaral antes da reforma era a de não permitir uma adequada tutela no urbanismo e no território. Essas situações encaixam-se perfeitamente na alínea f) (atual alínea i), não há aqui mudança de paradigma, tendo em conta a antecipação pela via do processo de uma lesão que tem toda a razão para existir.
O “fundado receio” corresponde a uma ameaça de violação por parte das autoridades públicas. A lesão depende de um ato administrativo posterior. Não só isto cabe no quadro do contencioso administrativo como, isto é, na perspectiva do prof. Vasco Pereira da Silva uma importante alteração que a reforma trouxe. O juiz pode poder antecipar-se ao litígio sem que com isso esteja a antecipar-se à administração. É uma das novas dimensões do processo administrativo.
O legislador também consagra outras normas que se destinam a acautelar de forma completa e adequada este mecanismo, como o art 113 CPTA que estabelece a acessoriedade da tutela cautelar relativamente ao processo principal. Este pedido cautelar não tem de ser anterior ao processo principal. Pode ser apresentado em simultâneo. Confere identidade própria ao processo cautelar. Este processo caduca se o processo principal não tiver sido provido. É por isso que o art 123 CPTA estabelece a caducidade da providência cautelar quando caduca o processo principal.
- Este mecanismo não vale por si, não tem autonomia, é acessório conforme o art 114 CPTA – momento em que é solicitada, lógica da acessoriedade.
Nome: Miguel Angelo de Almeida, nº 24473

Os meios processuais do Contencioso Administrativo: a evolução para um modelo único ou o fim do dualismo processual

Um determinado enquadramento legal adoptado quanto a uma matéria – e, sobretudo, tratando-se de uma matéria processual, que vive e sobrevive da evolução e do aperfeiçoamento, sob pena de não corresponder às necessidades daqueles que acedem ao Direito, e na qual se encontra a matéria das formas de processo – representa sempre uma opção do legislador. Deste modo, as formas do processo existentes no Contencioso Administrativo (hoje, nos arts. 35º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante CPTA) mais não são do que o resultado da afectação das características de determinados tipos de pretensões aos modelos de tramitação do processo que o legislador julgou tipificar na lei.
Até à revisão de 2015, o CPTA conferia aos vários tipos de pretensões que podiam ser deduzidos perante a jurisdição administrativa um enquadramento que se baseava em duas dicotomias. A primeira contrapunha, por um lado, as quatro formas de processo de âmbito de aplicação mais restrito, que o antigo CPTA designava de urgentes e que consistiam nas questões relativas ao contencioso eleitoral, aos procedimentos de massa, ao contencioso pré-contratual e às intimações, seja para prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões, seja para defesa de direitos, liberdades e garantias, e, por outro, as que se podiam qualificar de não-urgentes, – cujas particularidades cabe aqui atentar – que possuíam um maior âmbito de aplicação e que, por sua vez, estavam marcadas pela distinção tradicional entre nós entre acção administrativa comum e acção administrativa especial.
Contudo, o que ocorria frequentemente era que a acção administrativa especial, ficando encarregue das pretensões que se reportavam ao exercício de poderes de autoridade, isto é, das pretensões de impugnação de actos administrativos e de normas regulamentares e, ainda, daquelas relativas à condenação da Administração à emissão de actos administrativos, era maioritariamente utilizada, passando, então, as restantes pretensões, ou seja, todas aquelas que estavam inseridas no âmbito da jurisdição administrativa, mas que já não diziam respeito ao exercício de poderes de autoridade, e que seguiam, por isso, a acção administrativa comum, a serem quase “especiais”. Dava-se o fenómeno de a acção administrativa especial ser mais comum do que própria acção administrativa comum.
O novo regime do CPTA ditou o fim do dualismo das acções administrativas, dando lugar a uma única forma processual que é a acção administrativa comum (art. 37º CPTA) e que contempla todas as referidas pretensões, embora, sujeitando, por vezes, a pressupostos processuais específicos (veja-se, por ex., o regime associado à impugnação de actos administrativos, arts. 50º e seguintes CPTA). Deste modo, inovou-se ao conferir unicidade no que diz respeito às formas de processo que não são urgentes, o que revela, também, uma aproximação ao modelo do processo comum de declaração, do novo Código de Processo Civil, que segue forma única. Para além disso, esta alteração veio acompanhar a modificação do art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que introduziu o alargamento da jurisdição administrativa, trazendo para o seu seio outros litígios.
A evolução para um modelo único de acção administrativa deixa para trás o perfil bipolar da acção administrativa no Processo Administrativo, mas subsiste, para muitos Autores (v. N. 1) uma grande conexão ao regime anterior, espelhada pelas especifidades existentes, e até pela possibilidade, já no regime anterior, de a acção administrativa comum absorver a especial, através do instituto de cumulação de pedidos. Todavia, o impacto positivo desta reformulação legal é visível, ao nível da maior simplificação e efectividade, hoje, no funcionamento dos tribunais e no próprio acesso à justiça, que advém da concentração dos processos num só modelo de tramitação e que dá continuidade a uma tendência actual na função legislativa de primazia dos princípios de economia processual, eficiência e aproximação (a título de exemplo, recorde-se o art. 5º do CPA).


Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, 2016, Almedina
ANDRADE, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa, 2014, Almedina
SILVA, Vasco Pereira da – O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2009, Almedina

N.1: Aroso de Almeida considera que a nova opção da lei, ao concentrar todas as possíveis pretensões dirigidas à Administração numa acção administrativa comum, não retirou relevância à distinção entre pretensões dirigidas ou não ao exercício de poderes de autoridade, precisamente por esta permanecer presente no CPTA, através de pressupostos ou regime próprios que consistem, ainda, desvios ao regime geral.


Matilde Canha Silveira Franco Rodrigues

Nº 24350

Ato Administrativo impugnável

Para o ato ser impugnável tem de preencher certos pressupostos específicos: conteúdo decisório, conteúdo positivo, eficácia externa e tempestividade 
A impugnação de um ato administrativo pressupõe a existência de um ato jurídico que reúna atributos que permitem qualificá-lo como administrativo nos termos do artigo 120.º do CPA, (artigo 51.º CPTA) segundo Mário Aroso de Almeida. Este dá mais importância ao conteúdo decisório do que ao facto do ato ser lesivo, exige-se que o ato administrativo defina situações jurídicas. Consequentemente, os atos meramente confirmativos são atos que se limitam a confirmar as definições jurídicas introduzidas por atos administrativos anteriores.
José Vieira de Andrade menciona que o ato administrativo impugnável não coincide inteiramente com ato administrativo que consta do artigo 120.º do CPA. O ato administrativo impugnável “é mais restrito na medida em que só abrange expressamente decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os atos cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”.
O professor Vasco Pereira da Silva refere que os atos administrativos são todos aqueles que produzam efeitos jurídicos mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem suscetíveis de afetar ou de causar lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis. 
O artigo 51.º n.º1 do CPTA exige eficácia externa para que o ato seja um ato administrativo impugnável. 
Para que um ato administrativo possa ser considerado impugnável é decisivo que os efeitos que ele se destina a introduzir na ordem jurídica sejam suscetíveis de se projetar na esfera jurídica de qualquer entidade , privada ou publica , em condições de fazer com que para elas posa resultar um efeito útil da remoção do ato da ordem jurídica.
Ainda assim um determinado interessado pode não estar legitimado ou não ter interesse em impugnar determinado ato administrativo e esse ato não deixar de ser por isso impugnável , por se destinar a produzir efeitos cuja a eliminação da ordem jurídica , pela sua natureza , pode interessar a outros sujeitos jurídicos e , em ultima analise ao Ministério Público , que tem legitimidade ilimitada para impugnar atos administrativos .
É aqui que entra a eficácia externa como critério para a impugnabilidade do ato administrativo . Os atos que não só não afetam a esfera jurídica de ninguém , como nem sequer se destinam a produzir efeitos externos , são os únicos atos que não podem ser impugnados por ninguém , nem sequer pelo Ministério Público ou por qualquer outro cidadão , no exercício do direito de ação popular. Só esses atos não são ,por isso , à face do artigo 51º ,nº1 , atos impugnáveis.

Bibliografia :

  • SILVA , Vasco Pereira da , O Contencioso Administrativo no Divã da psicanálise , 2ª ed. , Almedina , 2009
  • ALMEIDA , Mário Aroso de , O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos , 2ªed. , Almedina
  • ALMEIDA , Mário Aroso de , Manual de Processo Administrativo , Almedina 2016
  • ANDRADE , José Vieira de , A Justiça Administrativa (Lições ) , 13ª ed. , Almedina , 2014

Diana Carvalho nº23259

A metamorfose do contencioso administrativo: Da independência da administração à condenação à prática do ato devido

A ação de condenação da administração à prática do ato legalmente devido corresponde a uma das mudanças de paradigma no nosso Contencioso Administrativo, que caminha para uma plena jurisdição sem limitações. Este poder de condenação da Administração à emissão de atos administrativos ilegalmente omitidos ou recusados é uma das concretizações do princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos que o CPTA veio, definitivamente, consagrar, conferindo-lhes todos os poderes que são próprios e naturais da função jurisdicional, permitindo aos particulares ir mais além do que o mero reconhecimento do seu direito. Assim, tal como afirma o ilustre Dr. Vasco Pereira da Silva, foi na sequência deste longo “processo terapêutico”, que o Contencioso Administrativo português tanto se “sentou” no divã da Constituição da República Portuguesa, como no “divã da Europa”.

A consagração da possibilidade de “interpelar a Administração a cumprir” foi introduzida no CPTA como forma de colmatar uma lacuna, através da criação de um meio de reação contra as omissões administrativas, leia-se: violação do dever de decidir. O legislador não limitou o âmbito de condenação à prática do ato devido às situações de omissão administrativa, incluindo também no Artigo 67.º outras e inovadoras (com a alteração ao CPTA) situações, havendo um alargamento das mesmas: quando tenha sido praticado um ato administrativo de indeferimento ou de recusa de apreciação do requerimento ou tenha sido praticado ato administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado - aqui se encontra a novidade face ao CPTA anteriormente vigente.
Conforme escreve Mário Aroso de Almeida, “ (…) os processos de condenação à prática de atos administrativos são processos de geometria variável, no sentido em que não têm todos a mesma configuração, nem conduzem todos à emissão de pronúncias judiciais com idêntico alcance.”
Mas então, há que abrir as janelas à discussão pública, de modo a observarmos de uma forma mais clara. O modo como a jurisprudência faz uso destes poderes é uma questão fulcral para apreciar a efetividade da reforma do contencioso administrativo. Precisamente neste contraponto, deparamo-nos com a colisão de duas ideias fundamentais que, não sendo devidamente delimitadas, poderão levar à constituição de novos traumas (já não da infância). Uma tem que ver com a interdição de o tribunal se imiscuir no espaço próprio mais íntimo da Administração, em homenagem ao princípio da separação e da interdependência de poderes (Art. 3º do CPTA). A outra, com a necessidade de o tribunal dizer e aplicar o direito em toda a extensão com que normas e princípios jurídicos sejam chamados a intervir na dirimição de litígios jurídico-administrativos e, por conseguinte, de determinar todas as vinculações a observar pela Administração, na emissão do ato devido.

Assim, no que respeita a esta figura híbrida, o primeiro passo a ter em conta diz respeito ao tipo de solução em causa, se vinculada ou discricionária, ao que se seguirá a reflexão sobre o caso material concreto. Importante é perceber que o alcance do conteúdo da sentença está sujeito a uma graduação. Para melhor entender a questão, torna-se imperativo interpretar aquilo que o doravante CPTA estabelece em relação a esta temática.
O Artigo 71.º do CPTA elenca os poderes de pronúncia do tribunal, com a respetiva cláusula geral no seu nº 1. A questão controversa centra-se, essencialmente, nos números que se seguem. Nos termos do n.º 2, quando a emissão do ato envolva a «formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa», o juiz limitar-se-á a uma condenação genérica, com a indicação dos parâmetros que possa retirar das normas jurídicas aplicáveis. Isto quer dizer que, quando haja mais do que uma solução possível, o tribunal não pode condenar a Administração a praticar o ato pretendido com o conteúdo totalmente definido, circunstância em que muita doutrina considera estarmos perante uma situação de redução da discricionariedade a zero ou paralisia da discricionariedade (que vai buscar as suas raízes à doutrina alemã). Todavia, note-se que, tal como afirma Mário Aroso de Almeida, os poderes do tribunal não se encontram limitados, pois mesmo nestes casos, o pedido é de condenação e o tribunal deve verificar se a omissão ou a recusa foram ilegais e, se for caso disso, condenar a administração a praticar o ato devido (artigo 71. º, n.º 1), o que demonstra, desde já, uma clara preponderância do poder judicial como poder de controlo, pois o tribunal, mesmo assim, deve indicar a forma correta de exercício do poder discricionário, no caso concreto, estabelecer o alcance e os limites das vinculações legais. Daqui resulta uma sentença mista que combina uma vertente condenatória estrita, no que respeita à pratica do ato administrativo, assim como no que se refere aos aspetos vinculados do poder em questão, com uma vertente declarativa, ou de simples apreciação, naquilo que respeita aos elementos discricionários do poder, permitindo ao tribunal orientar a administração quanto à correção jurídica das opções que lhe cabe tomar.

No sentido convergente, o n.º 3 do Artigo em apreciação vem alargar o âmbito de atuação dos tribunais, nomeadamente, através de especificações quanto ao conteúdo do ato a praticar nas situações em que a lei confere ao autor o direito a um ato com um determinado conteúdo, criando, deste modo, um dever estrito da Administração executar, objetivamente, um ato materialmente moldado e definido. Alexandra Leitão em COMENTÁRIOS À REVISÃO DO ETAF E DO CPTA veio constatar que a inserção deste n.º 3 não traz nada de novo, na medida em que “apenas esclarece o que já resultada do n.º 2 do mesmo Artigo”, pois a procedência de uma ação de condenação à prática só garante ao particular a condenação da Administração na prática do ato com o conteúdo por ele pretendido quando esse conteúdo seja totalmente vinculado, sob pena de violação do princípio da separação. Ou, em minha opinião (e se quisermos ir mais longe), parece-me que decorre não apenas do n.º 2 mas logo da cláusula geral do n.º 1, cuja estatuição é conforme e, nesses termos, considero desnecessária a inclusão da parte final do n.º 3.
Vale dizer, como se constata, que existe uma gama de situações que deve variar consoante o grau de concretização com que o dever de atuar resulta das normas jurídicas aplicáveis, conforme o concreto ato devido controvertido.

Cabe tecer breves notas sobre direito comparado nesta temática. No direito inglês, sempre vigorou um sistema completo de garantias dos particulares contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública, pelo que, assim sendo, o tribunal dispõe de poderes de plena jurisdição face à mesma desde que a interpele e esta se recuse (aí então, haverá lugar a uma sentença condenatória). Já no que concerne ao direito germânico, quando a recusa ou omissão for ilegal e o particular lesado nos seus direitos, o tribunal condena, igualmente, a administração a “um fazer” (tun). Sublinho o facto de não haver cláusula igual à que consta da alínea c) do nosso Art. 67.º, o que revela, desde já, que o legislador português se encontra a “um passo à frente” da corrente europeia.
De facto, em concordância com Vasco Pereira da Silva, a consagração deste tipo de sentenças significa o ultrapassar de velhos traumas do contencioso administrativo, decorrentes da passagem do processo ao ato para o juízo sobre a relação jurídica, através da atribuição ao tribunal de um papel ativo e não meramente reativo no julgamento do litígio, pois, a sentença de condenação não tem por objeto o ato administrativo mas sim o direito do particular.

Com a presente exposição, quis evidenciar que, por vezes, existe uma linha bastante ténue que separa o poder judicial, correspondente a um papel interventivo dos tribunais, do dever de administrar em prossecução do interesse público. Pois o direito (tal como as situações da vida) é extremamente complexo, envolvendo ponderações que conjugam ideias, aparentemente, incompatíveis. Sublinhe-se o “aparentemente”, uma vez que, neste caso, é um mito considerar que existe uma impossibilidade de impor judicialmente à Administração a adoção de atos administrativos, sem que se assine uma habilitação geral aos juízes para se substituírem àquela no exercício das respetivas funções. Pois, tal como afirma Vasco Pereira da Silva, uma coisa é condenar a administração, o que decorre da preterição de poderes legais vinculativos (e isso, sim, corresponde à tarefa de julgar), outra coisa é o tribunal invadir o domínio das escolhas remetidas por lei para a responsabilidade da Administração no domínio da discricionariedade administrativa – tarefa de administrar.
Contudo, deparamo-nos com uma metamorfose gradual nesta sede do contencioso administrativo, designadamente, quando estão em causa comportamentos que lesam direitos dos particulares, uma vez que subjaz, aqui, uma lógica de que o direito do primeiro é o dever do segundo. Há, se quisermos, uma bilateralidade que exige a intervenção do poder judicial como forma de reação a uma discricionariedade administrativa que vigora à margem da lei e não como modo de realização do direito no caso concreto.
Parece-me, terminando, que quando isto aconteça, o princípio da separação de poderes não cai no abismo. Trata-se, apenas e somente, de um Contencioso Administrativo de plena jurisdição.

BIBLIOGRAFIA
CADILHA, António, Os poderes de pronúncia jurisdicionais na acção de condenação à prática de acto devido e os limites funcionais da Justiça Administrativa, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, Vol. III, 2010
SILVA, Vasco Pereira da – O Contencioso no Divã da Psicanálise. Almedina, 2009
ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual de Processo Administrativo, 2ª Ed., Almedina, 2016


Uma Legitimidade Mais Restrita: Artigo 55º d) do CPTA

Dizem que se é para mudar que seja para melhor. Bem tentamos mas nem sempre acontece. E como nem sempre tudo corre bem, importa relembrar que, à luz do artigo 20º conjugado com o artigo 268º/4/5 da Constituição da República Portuguesa, temos efectivamente um direito em recorrer à justiça administrativa em defesa dos nossos direitos e interesses legalmente protegidos. Ora, é sabido que as partes num processo declarativo são os sujeitos jurídicos que nele se figuram como autor – desencadeando o processo através da formulação de uma pretensão - e como demandados – contra quem a acção foi proposta[1]. Contudo, é necessário que se verifiquem determinados pressupostos das partes: personalidade e capacidade judiciárias, patrocínio judiciário e legitimidade processual - passiva e ativa. Por hoje, venho discutir uma das alterações ao novo Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (adiante, CPTA) relativa a esta última legitimidade, presente no artigo 55º, particularizando a alínea D).
Trata-se, pois, da impugnação de atos inter-órgânicos mas intra-administrativos. Leiamos os preceitos em causa.
Na versão anterior, Lei nº63/2011, de 14/12, lia-se que podiam impugnar, «Órgãos administrativos, relativamente a actos praticados por outros órgãos da mesma pessoa colectiva.». Daqui decorre, sem qualquer polémica interpretativa, que havia uma permissão genérica de impugnação por parte dos órgãos da mesma pessoa coletiva. O único requisito era tão-só que fosse praticado por outro órgão um ato.
Na redação atual, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, lê-se: «Órgãos administrativos, relativamente a atos praticados por outros órgãos da mesma pessoa coletiva pública que alegadamente comprometam as condições do exercício de competências legalmente conferidas aos primeiros para a prossecução de interesses pelos quais esses órgãos sejam diretamente responsáveis.». Nota-se, desde logo, que houve uma opção legislativa em restingir os critérios de impugnação por parte dos órgãos administrativos. Se até 2015 quaisquer atos podiam ver-se impugnados, hoje, só podem aqueles que «alegadamente comprometam as condições do exercício de competências legalmente conferidas aos primeiros para a prossecução de interesses pelos quais esses órgãos sejam directamente responsáveis.». Houve, portanto, uma restrição da legitimidade ativa, advinda do acrescento adicional de uma lesividade qualificada[2].
                Perante tal, só nos resta questionar o porquê: será para evitar a proliferação de litígios? Parece que, a ser assim, mudou-se para melhor! Mas e a que custo? Não terá ido longe demais?
AROSO DE ALMEIDA[3] afirma que esta possibilidade de impugnação apenas é admitida quando os atos em causa ponham em causa as condições do órgão impugnante para o exercício, sem interferências ou perturbações ilegais, de competências que lhe tenha sido atribuída para a prossecução de interesses específicos, pelos quais ele seja diretamente responsável. Excluem-se da aplicação deste preceito as relações hierárquicas. O professor diz ainda que nos nossos dias a realidade interna das entidades públicas vê-se cada vez mais com litígios emergentes de opções, ao nível da distribuição de competências, assentes na atribuição aos diferentes órgãos de esferas de acção própria e, portanto, na respectiva constituição como “sujeitos de ordenação e de imputação final de poderes e de deveres”, em posição de antagonismo perante ouros órgãos da mesma entidade pública.
                Por um lado, é possível admitir que tal decisão legislativa favorece e reforça a preservação da unidade das pessoas colectivas públicas, bem como, como afirma VASCO PEREIRA DA SILVA[4], permite a «superação do “dogma da impermeabilidade da pessoa jurídica” e a relativização da noção de personalidade pública, mediante a consideração dos órgãos como “sujeitos funcionais” dessas mesmas relações». Esta teoria não reconhecia uma esfera jurídica autónoma dos órgãos administrativos por se basear na indivisibilidade da pessoa coletiva: as relações entre os órgãos eram relações consigo mesmas.
Por outro lado, reconhece-se ter sido uma solução um pouco drástica. Isto porque, como é sabido, se alega um facto demonstra-se a realidade e, com isso, a fundamentação, fundamentação essa que será sempre justificada. Não se litiga por nada: ou é por pouco ou é por tudo. Como tal, a possibilidade de litigância, mesmo sendo por pouco (mas sempre fundamentado), não deveria ser restringida de tal maneira que apenas seja admitida quando a sua fonte de legitimidade resida numa invasão de competências. O legislador, pensa-se, foi longe demais na consagração desta alínea. Conclui-se, portanto, que sem um motivo suficientemente forte ou justificado, que há um enfraquecimento objetivo das possibilidades de impugnação por parte da Administração. De facto, mudou-se, mas não acredito que para melhor.

Joana Rito Almeida Mazarelo nº24316 SUBTURMA12  4DIA



[1] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2ªEdição, 2016
[2] Neste sentido, MARCO CALDEIRA, Comentários à revisão do ETAF e do CPTA, AAFDL Editora, 2016
[3] Manual de Processo Administrativo, 2ªEdição, 2016
[4] O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, Edição, 2009

Processos urgentes e especificação quanto aos procedimentos de massa

Os processos urgentes encontram previsão normativa no art. 36º do CPTA, que trata de individualizar, pelas alíneas do nº1, as modalidades de processos em que se divide (contencioso eleitoral, procedimento de massa – novidade proveniente da revisão de 2015 -, contencioso pré-contratual, intimações e providências cautelares). O que estas modalidades têm em comum encontra-se previsto nos seguintes números do mencionado artigo.

A razão de ser dos processos urgentes é um tanto ou quanto intuitiva, na medida em que a sua urgência se deve à necessidade de obter uma decisão com um grau de celeridade maior do que aquele que está previsto para a generalidade dos processos, por motivos específicos inerentes a esse mesmo processo e às suas vicissitudes (natureza dos direitos ou bens jurídicos protegidos; circunstâncias próprias das situações, onde ficam enquadrados os procedimentos massivos; e até pelas pessoas que estão envolvidas, nomeadamente no caso de envolver idosos, em alguns ordenamentos que não o nosso), de modo a assegurar a utilidade da sentença em tempo útil.

Os procedimentos urgentes de massa vêm previstos nos arts. 97/1, b) e 99º do CPTA. Compreendem as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes (art. 99º/1) que incidam sobre concursos de pessoal (a)), procedimentos de realização de provas (b)) ou procedimentos de recrutamento (c)). De referir que esta figura de carácter urgente se diferencia do mecanismo existente no art. 48º, uma vez que o que está aqui em causa é um meio processual principal e não um mero instrumento que permita a agregação de processos semelhantes a decorrer em tribunais diferentes.

As ações deste cariz devem ser propostas no tribunal da sede da entidade demandada e, quando haja ações referentes ao mesmo procedimento dá-se uma apensação à ação primeiramente proposta, desde que estejam verificados os pressupostos para a coligação e cumulação de pedidos (nºs 2 e 4). Esta é uma solução que entra na lógica da eficácia e eficiência processual, que permite aos tribunais aliviar a carga de processos de cariz materialmente semelhante e, ao mesmo tempo, uniformizar as decisões sem que fiquem comprometidos princípios de um Estado de Direito, como são o do acesso aos tribunais e à justiça ou o da segurança jurídica. O prazo de propositura destas ações é de um mês e a tramitação por elas desenrolada é igualmente breve, mais precisamente 20 dias para a contestação e 30 para a decisão do juiz, tal como a possibilidade de recurso para tribunal superior.

Esta solução inovadora constitui mais um passo, a meu ver, significativo e demonstrativo da tendência desburocratizadora que deve ser adotada sempre que possível de modo a conduzir a decisões mais rápidas e igualmente justas. Contudo, não digo que isto possa ocorrer na generalidade dos casos, mas sim que deverá ocorrer sempre que a urgência e a natureza dos processos o permita, sem que nunca se vulgarize a excepcionalidade destes casos e se tome a urgência não como uma decorrência da situação mas sim como uma característica dos processos. Se tudo fosse urgente, nada acabaria por sê-lo na verdade. Cabe então ao legislador, tendo em conta a prática diária dos tribunais, avaliar as matérias e processos que realmente merecem ser considerados de urgentes e, assim, encontrar um difícil meio termo de modo a promover a eficácia das decisões quanto à exiguidade dos prazos estabelecidos.


Luís Baldaya Cunha, nº 24343.

A direito de acção popular como meio de tutela de interesses difusos

O direito de acção popular é um instrumento que permite aos cidadãos participarem e intervirem em assuntos da vida pública. Este direito é uma forma singular de participação, seja ela individual ou colectivamente organizada.
 
O direito de ação popular é reconhecido pela nossa Constituição da República Portuguesa (de ora em diante, CRP) no seu artigo 52º3. É conferido a todos os cidadãos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa. O direito de ação popular apresenta-se então como um corolário do princípio democrático e da democracia participativa (artigo 2º CRP), na medida em que permite a participação política e a intervenção democrática dos cidadãos na vida política, assim como também assegura a defesa dos interesses comunitários.

A accão popular caracteriza-se então por tratar de um conjunto de interesses solidariamente comuns aos membros de uma comunidade em especifíco. Neste sentido, a Lei nº 83/95, de 31 de Agosto teve como principal objectivo densificar o regime da acção popular, nomeadamente no campo da legitimidade popular.

Quanto ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de ora em diante, CPTA), o seu artigo 9º1 estabelece que o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida, ou seja, quando alegue ser titular de um direito ou de um interesse legalmente protegido (legitimidade activa direta).


Quando falamos em legitimidade activa, isto é, de saber quem em concreto pode exercer este direito de acção popular, podemos retirar da análise do artigo 52º/3 CRP em conjunto com o artigo 9º/2 CPTA, bem como da Lei 83/95, que não são considerados autores apenas as partes que aleguem ser parte de uma relação material controvertida. Também se considera que "qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para (…) a defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos”.

O artigo 9º2 CPTA admite um conceito de legitimidade mais amplo no âmbito da acção popular, nos termos do qual, independentemente de terem ou não interesse pessoal, certos sujeitos têm legitimidade para intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.

Importa também salientar que a acção popular não é uma acção de "ultima ratio", o que significa que a possibilidade de a intentar não está condicionada ao esgotamento dos restantes meios judiciais.
 
.Através da análise do critério de legitimidade consagrado no artigo 9º/2 CPTA, sabemos que um sujeito pode ser parte legítima num processo sem que seja titular das posições substantivas que se visa tutelar nesse mesmo processo, o que significa que há uma independência do interesse processual face ao interesse substancial da causa.
Segundo o ilustre professor Mário Aroso de Almeida, o artigo 9º/2 CPTA consagra um alargamento da legitimidade processual ativa a quem não seja parte na relação material controvertida. Para este autor, o artigo 9º/2 CPTA desempenha duas funções: a de dar expressão ao direito de acção popular no âmbito do contencioso administrativo e a de atribuir legitimidade activa a determinados sujeitos.

Foi então consagrado um conceito de legitimidade activa difusa, indirecta ou impessoal. Isto acontece porque a legitimidade activa na acção popular não é aferida de modo concreto, mas sim em termos gerais e abstratos, bastando, para o autor ser considerado parte legítima, que esteja inserido em determinadas categorias de sujeitos, e que actue para promover a legalidade e tutelar bens constitucionalmente protegidos.
Interesses difusos são, assim, interesses da comunidade em geral, insusceptíveis de apropriação individual por qualquer um dos seus titulares. A tutela de interesses difusos verifica-se quando a ação popular é proposta por sujeitos cujos direitos ou interesses individuais não foram afectados, actuando apenas para proteger bens ou interesses da própria comunidade em que um indivíduo se insere.

A ação popular é um meio de tutela, sobretudo, de interesses difusos, enquanto interesses de toda a comunidade, pelo que “deve reconhecer-se aos cidadãos ut cives e não ut singuli o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses”. Contudo, à luz da Lei de Accção Popular, são objeto de tutela através da ação popular tanto os interesses difusos em sentido próprio como os interesses individuais homogéneos.

No campo da representação processual na acção popular, todos os titulares de direitos ou interesses cuja defesa seja prosseguida na acção popular consideram-se representados pelo efectivo autor da acção (o actor popular), salvo se algum dos cidadãos titulares exercer o seu direito de auto-exclusão previsto no artigo 15º da Lei. Apenas os que se quiserem excluir do processo têm de declarar essa vontade, valendo assim o seu silêncio como aceitação da representação pelo actor popular.
O Ministério Público desempenha também um importante papel na acção popular. O mesmo tem, nos termos do artigo 16º/1 da Lei, o papel de fiscalizar a legalidade e de representar o Estado (quando este for parte na causa), os ausentes, os menores e demais incapazes. Quando seja autorizado por Lei pode também representar pessoas colectivas públicas.
A acção popular tem, então, como objecto principal a tutela de interesses difusos, pois sendo estes interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se o direito aos cidadãos de, individual ou colectivamente, defenderem os mesmos.
 
No que toca à delimitação face aos interesses públicos, podemos afirmar que enquanto os interesses públicos são interesses gerais da comunidade, os interesses difusos são interesses de todos aqueles que vêm as suas necessidades concretamente satisfeitas como partes integrantes de uma colectividade.

Diz-nos o professor Miguel Teixeira de Sousa que “Os interesses públicos aferem-se pelas necessidades gerais da colectividade, pelo que, ainda que seja apenas o interesse de um único individuo, esta satisfação corresponde a um interesse público se ela for imposta por aquelas necessidades gerais. Em contrapartida, os interesses difusos só são delimitáveis em função das necessidades concretamente satisfeitas aos membros de uma colectividade: como esses interesses se desdobram numa dimensão individual e numa dimensão supra-individual, não há interesses difusos que não satisfaçam efectivamente uma necessidade de todos e de cada um dos membros da colectividade.”

 
Em suma, o direito de acção popular reúne as características necessárias para ser um instrumento importante no que diz respeito à  concretização da democracia participativa.
A utilização deste direito dá-se então quando os critérios normais de reconhecimento de legitimidade falhem na protecção de determinado interesse, o que muitas vezes acontece com os interesses difusos. 

Madalena José de Mello Seabra
Nº23223