A condenação de um particular ou
entidade administrativa à adopção ou abstenção de um determinado comportamento,
nomeadamente a prática de um acto administrativo, veio pôr fim ao modelo de
monopólio da reacção judicial a
posteriori contra actos administrativos ou actuações da administração,
constituindo uma novidade do CPTA aprovado em 2002. Este mecanismo preventivo
vem previsto no art.º 37º nº 1 c).
Decorre do art.º 39º nº 2 do mesmo Código
de Processo nos Tribunais Administrativos que a condenação à não emissão de actos
administrativos se circunscreva às situações em que seja provável, note-se, a
emissão de actos lesivos de direitos ou interesse legalmente protegidos, e em
que a utilização dessa via se mostre imprescindível.
Tal inovação não terá deixado de ser
influenciada pela acção de abstenção preventiva existente no contencioso
administrativo alemão (a vorbeugende Unterlassungsklage).
De realçar, no entanto, que a
imposição de deveres de abstenção à Administração através de pronúncia judicial
não constitui uma absoluta novidade.
A reforma do contencioso
administrativo veio assim introduzir uma acção principal que tutela os cidadãos
antes da actuação administrativa potencialmente lesiva, antecipando a tutela
judicial, de forma a garantir a sua efectividade. Trata-se de uma tutela
preventiva, ou ex ante, prévia,
portanto, à verificação da medida lesiva.
O recurso a este remédio justifica-se
pela ameaça de lesão ilegal baseada na existência de uma situação de facto ou
de direito, que permita demonstrar, através de um juízo de razoabilidade, que
tal receio é fundado. Está previsto no art.º 37º, nº 1, c) do CPTA.
Pretende-se, bem entendido, impedir,
a título preventivo, a ocorrência de factos lesivos ilícitos por via da emissão
de uma ordem judicial no sentido de obrigar a Administração (ou um particular
envolvido numa relação jurídico-administrativa) a abster-se de um determinado
comportamento.
Estamos perante uma tutela inibitória
preventiva. Esta acção constitui uma acção
mandamental porque o juiz, se julgar a pretensão do autor procedente,
decreta uma sentença que constitui uma verdadeira ordem no sentido de obrigar o
demandado a adoptar determinado comportamento ou conduta futura julgada devida.
No caso da condenação à abstenção da prática de actos lesivos de direitos de
que é titular a parte activa, fala-se, como acima descrito, de uma sentença
inibitória. Estas acções estão principalmente direccionadas para a reacção
contra a lesão ou a ameaça de lesão ilegítima de direitos absolutos, como os de
personalidade ou propriedade e de direitos fundamentais.
Existirá a questão da efectividade da
acção administrativa de condenação à não emissão de um acto administrativo
prevista no art.º 37º, nº 1 c), quando esse acto for praticado durante a
pendência da acção, por não ter sido decretado nenhum meio de tutela cautelar e
a acção ainda não ter conhecido decisão final transitada em julgado.
Nessa cisrcunstância poderíamos estar perante
um caso de inutilidade superveniente da acção com possível decretamento de
absolvição da instância, porque tendo o acto sido praticado, deixaria de haver,
naturalmente, interesse processual na condenação à sua não emissão. A resposta
processual adequada seria então a acção de impugnação ou a condenação à prática
de acto devido, sendo esta uma das fragilidades apontadas à acção em causa.
Contudo, equaciona-se nestas situações
a possibilidade de aplicação analógica do art.º 63º do CPTA, que prevê a
ampliação da instância de uma acção de impugnação, permitindo a inclusão de
actos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o
acto impugnado se insere, de forma a evitar o completo desaproveitamento de
tudo quanto já tivesse sido judicialmente estabelecido ao longo do processo. De
notar que a transformação de uma acção de condenação à não prática de um acto
numa acção de impugnação não constituiria já uma ampliação da instância mas sim
uma modificação do próprio objecto da instância.
Seria preferível, assim, a aplicação analógica
do regime previsto no art.º 70º do CPTA, onde se prevê que o autor possa alegar
novos fundamentos e oferecer diferentes meios de prova em favor da sua
pretensão, quando esta seja indeferida na pendência de processo de condenação à
prática de acto devido intentado em situação de inércia ou de recusa de
apreciação de requerimento (artigo 70º nº 1).
Em suma, poderemos afinar pelo diapasão
de que a acção de condenação à não prática de acto administrativo funcionará
sempre como um remédio preventivo impeditivo do surgimento de actos lesivos dos
interesses dos particulares, possibilitando uma tutela antecipatória a montante
da prática de acto danoso da Administração ou da entidade envolvida numa
relação jurídico-administrativa.
Bibliografia:
- Carla Amado Gomes, Ana Fernanda
Neves e Tiago Serrão, “Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA”, AAFDL, 2016,
Lisboa