Em primeiro
lugar, há que mencionar que o regime da legitimidade passiva no âmbito do
processo administrativo segue a regra
que consta do artigo 30º do Código de Processo Civil, isto é, o critério da relação material controvertida.
Porém, observa-se no regime do contencioso administrativo a existência de
algumas particularidades, mais
concretamente, excepções àquela
regra e que cumpre analisar.
O artigo
essencial nesta matéria é o artigo 10º
do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA). Este
artigo, no seu nº1, na parte em que dispõe ‘’Cada acção deve ser proposta
contra a outra parte na relação material controvertida’’ adopta o regime
acolhido pelo artigo 30º do Código de Processo Civil. No entanto, na parte em
que estabelece ‘’e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares
de interesses contrapostos aos do autor’’, assiste-se aqui a um fenómeno de
alargamento da legitimidade passiva que se pode explicar pela existência no processo
administrativo de várias circunstâncias em que um determinado litígio não
pressupõe que haja a pré-existência de uma relação jurídica entre ambas as
partes. Deste modo, na segunda parte do artigo 10º/1 CPTA dispensa-se o
critério da pré-existência de uma relação jurídica entre as partes numa acção
administrativa, critério que é indispensável no regime do Código de Processo
Civil. Prosseguindo para a análise do nº2 do artigo 10º, em que podemos
observar as acções em que as entidades públicas são demandadas perante os
tribunais administrativos e verificamos que, por regra, nas acções intentadas
contra entidades públicas, ‘’a parte demandada é pessoa colectiva de direito
público’’. Contudo, o mesmo nº2 estabelece uma excepção a essa regra, dispondo
‘’salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à
acção ou omissão de órgãos integrados nos respectivos ministérios ou
secretarias regionais, em que a parte demandada é o ministério ou ministérios,
ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os
actos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos
jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos’’. Deste modo, podemos
referir que a regra é a de que nos processos intentados contra entidades
públicas, a legitimidade passiva reporta-se à pessoa colectiva e não a um órgão
que a integre; a excepção sucede quando
o que se encontra em questão é uma acção ou omissão por parte de um órgão do
Estado que integre um Ministério ou um órgão de uma Região Autónoma que esteja
integrado numa Secretaria Regional, uma vez que, nestes dois casos, a
legitimidade passiva não se reporta à pessoa colectiva Estado, mas sim ao
Ministério ou à Secretaria Regional em que o órgão está integrado.
Acrescente-se ainda que, o artigo 10º/7 estabelece que, no caso de o pedido
principal dever ser intentado contra um Ministério (e, entenda-se também,
contra uma Secretaria Regional) este tem igualmente legitimidade passiva
relativamente aos pedidos que sejam cumulados com o pedido principal. Cumpre
aqui assentar ideias: ora, contra a pessoa colectiva Estado só poderão ser intentadas
acções que não tenham por objecto uma concreta conduta activa ou omissiva de um
órgão que integre um Ministério.
Em segundo lugar,
encontramos no artigo 10º/8 que, quando se tratar de litígios entre órgãos da mesma pessoa colectiva, a legitimidade
passiva corresponde ao órgão administrativo concreto a demandar e não à pessoa
colectiva ou ao Ministério em que os dois órgãos estão integrados. Estão aqui
em causa, nomeadamente, as situações previstas no artigo 55º/1, al.d) e al.e) CPTA.
Cumpre aqui sublinhar que este tipo de situações em que o CPTA atribui
personalidade e capacidade judiciária aos órgãos administrativos é de carácter excepcional, uma vez que, a
impugnação prevista no referido artigo 55º/1 e, por conseguinte, a respectiva
possibilidade de o órgão administrativo possuir legitimidade passiva, só é
admitida quando se trate de actos, no âmbito específico das relações inter-orgânicas, que
interfiram com as condições do órgão demandante para o exercício da competência
que lhe tenha sido atribuída para alcançar interesses concretos pelos quais o
órgão demandante seja directamente responsável.
Em terceiro e
último lugar, é frequente perguntar se os particulares
podem ter legitimidade passiva no âmbito do contencioso administrativo. E a
resposta é afirmativa, e é dada pelo artigo 10º/9 CPTA que dispõe que aos
particulares podem corresponder essa legitimidade passiva desde que ‘’no âmbito
de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou
com outros particulares’’. Aqui, por ‘’relação
jurídica administrativa’’ parece dever-se entender que esta consiste na
relação estabelecida entre dois ou mais sujeitos que seja regulada por normas
de Direito Administrativo e da qual resultem situações jurídicas subjectivas.
Por conseguinte,
não é necessário que os processos administrativos sejam intentados apenas
contra entidades públicas, podendo particulares ser demandados quer em
situações de legitimidade plural (em conjunto com uma ou mais entidades
públicas) quer a título principal e
é esta possibilidade de serem demandados a título principal que é importante
reter. Para além disso, os processos administrativos podem ser dirigidos contra
particulares que não sejam concessionários de bens, poderes ou serviços
públicos, e isso resulta claro do artigo 10º/9 que permite que ‘’particulares
ou concessionários’’ possam ser demandados no âmbito do contencioso
administrativo.
Mariana Castro, nº24040
Bibliografia:
AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de
Processo Administrativo, 2016, 2ªedição
VIEIRA DE ANDRADE, J.Carlos, A Justiça
Administrativa, 2016, 15ªedição
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise, 2009, 2ªedição
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