quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O regime da legitimidade passiva no contencioso administrativo


Em primeiro lugar, há que mencionar que o regime da legitimidade passiva no âmbito do processo administrativo segue a regra que consta do artigo 30º do Código de Processo Civil, isto é, o critério da relação material controvertida. Porém, observa-se no regime do contencioso administrativo a existência de algumas particularidades, mais concretamente, excepções àquela regra e que cumpre analisar.
O artigo essencial nesta matéria é o artigo 10º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA). Este artigo, no seu nº1, na parte em que dispõe ‘’Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida’’ adopta o regime acolhido pelo artigo 30º do Código de Processo Civil. No entanto, na parte em que estabelece ‘’e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor’’, assiste-se aqui a um fenómeno de alargamento da legitimidade passiva que se pode explicar pela existência no processo administrativo de várias circunstâncias em que um determinado litígio não pressupõe que haja a pré-existência de uma relação jurídica entre ambas as partes. Deste modo, na segunda parte do artigo 10º/1 CPTA dispensa-se o critério da pré-existência de uma relação jurídica entre as partes numa acção administrativa, critério que é indispensável no regime do Código de Processo Civil. Prosseguindo para a análise do nº2 do artigo 10º, em que podemos observar as acções em que as entidades públicas são demandadas perante os tribunais administrativos e verificamos que, por regra, nas acções intentadas contra entidades públicas, ‘’a parte demandada é pessoa colectiva de direito público’’. Contudo, o mesmo nº2 estabelece uma excepção a essa regra, dispondo ‘’salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à acção ou omissão de órgãos integrados nos respectivos ministérios ou secretarias regionais, em que a parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os actos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos’’. Deste modo, podemos referir que a regra é a de que nos processos intentados contra entidades públicas, a legitimidade passiva reporta-se à pessoa colectiva e não a um órgão que a integre; a excepção sucede quando o que se encontra em questão é uma acção ou omissão por parte de um órgão do Estado que integre um Ministério ou um órgão de uma Região Autónoma que esteja integrado numa Secretaria Regional, uma vez que, nestes dois casos, a legitimidade passiva não se reporta à pessoa colectiva Estado, mas sim ao Ministério ou à Secretaria Regional em que o órgão está integrado. Acrescente-se ainda que, o artigo 10º/7 estabelece que, no caso de o pedido principal dever ser intentado contra um Ministério (e, entenda-se também, contra uma Secretaria Regional) este tem igualmente legitimidade passiva relativamente aos pedidos que sejam cumulados com o pedido principal. Cumpre aqui assentar ideias: ora, contra a pessoa colectiva Estado só poderão ser intentadas acções que não tenham por objecto uma concreta conduta activa ou omissiva de um órgão que integre um Ministério.

Em segundo lugar, encontramos no artigo 10º/8 que, quando se tratar de litígios entre órgãos da mesma pessoa colectiva, a legitimidade passiva corresponde ao órgão administrativo concreto a demandar e não à pessoa colectiva ou ao Ministério em que os dois órgãos estão integrados. Estão aqui em causa, nomeadamente, as situações previstas no artigo 55º/1, al.d) e al.e) CPTA. Cumpre aqui sublinhar que este tipo de situações em que o CPTA atribui personalidade e capacidade judiciária aos órgãos administrativos é de carácter excepcional, uma vez que, a impugnação prevista no referido artigo 55º/1 e, por conseguinte, a respectiva possibilidade de o órgão administrativo possuir legitimidade passiva, só é admitida quando se trate de actos, no âmbito específico das relações inter-orgânicas, que interfiram com as condições do órgão demandante para o exercício da competência que lhe tenha sido atribuída para alcançar interesses concretos pelos quais o órgão demandante seja directamente responsável.

Em terceiro e último lugar, é frequente perguntar se os particulares podem ter legitimidade passiva no âmbito do contencioso administrativo. E a resposta é afirmativa, e é dada pelo artigo 10º/9 CPTA que dispõe que aos particulares podem corresponder essa legitimidade passiva desde que ‘’no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares’’. Aqui, por ‘’relação jurídica administrativa’’ parece dever-se entender que esta consiste na relação estabelecida entre dois ou mais sujeitos que seja regulada por normas de Direito Administrativo e da qual resultem situações jurídicas subjectivas.
Por conseguinte, não é necessário que os processos administrativos sejam intentados apenas contra entidades públicas, podendo particulares ser demandados quer em situações de legitimidade plural (em conjunto com uma ou mais entidades públicas) quer a título principal e é esta possibilidade de serem demandados a título principal que é importante reter. Para além disso, os processos administrativos podem ser dirigidos contra particulares que não sejam concessionários de bens, poderes ou serviços públicos, e isso resulta claro do artigo 10º/9 que permite que ‘’particulares ou concessionários’’ possam ser demandados no âmbito do contencioso administrativo.



Mariana Castro, nº24040


Bibliografia:

AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de Processo Administrativo, 2016, 2ªedição
VIEIRA DE ANDRADE, J.Carlos, A Justiça Administrativa, 2016, 15ªedição
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2009, 2ªedição







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